05 outubro 2009

Filme: The curious case of Benjamin Button

Benjamin Button, que ao revés da história humana se faz sentir os mesmos efeitos, lamentavelmente, a caminho do fim, independente de onde seja o começo. O interessante é o ingrediente que faz com que sintamos a vida, também, fica bem evidenciado no filme, que não está atrelado à idade, e sim à capacidade que temos em abraçar o mais poderoso sentimento, o amor, que é o grande combustível que fomenta nossa efêmera passagem! Ainda que estejamos de lados opostos. Como bem dizia o filósofo Kant - ainda que eu for para o sul, você para o norte, um dia haveremos de nos encontrar, haja vista que a terra é redonda e, fisicamente estamos compelidos ao acaso dos encontros e desencontros.
É difícil não se enveredar pelo fio condutor que percorre toda a trama de Benjamin. Logo, logo, já nos sentimos tragados pelo harmonioso vendaval de acontecimentos fatídicos, que dão o tempero especial ao excepcional filme. É dizer: não há como deixar de perceber que, fatos cotidianos, são muito mais que simplesmente acontecimentos. Trazem em si, a sintonia perfeita da musicalidade que todos, inevitavelmente, dançam ou cantam ou nadam, enfim, o caminho de cada um é percurso certo, irremediável, que somente faz sentido quando se enfrenta os desafios, com coragem e acima de tudo, com amor!
Assistir ao filme é muito mais que perceber os encantos dos acontecimentos tão harmoniosos entre si, é sentir, como somos miseráveis em não acreditar que exista sentimento em nossas ações. Ademais, tornamos vermes, parasitas, quando não acreditamos em nossas potencialidades em acatar a coragem do enfrentamento dos obstáculos que nos dão energia para sentimentos mais profundos.
Pois bem. O filme é um espaço aberto de possibilidades de visões da vida como ela é, e não como desejássemos que ela fosse. No entanto, há e sempre haverá meios dignos de nos tornar mais efetivos em nossa travessia, independente de onde seja o começo e o fim. O que se torna muito mais plausível e dignificante, rompendo drasticamente o paradigma que somos vítimas frágeis do destino.

Minha humilde opinião sobre o filme é que ele é lindo! Sua história é contada com uma sutileza que para alguns pode dar sono, mas para o meu gosto, está na medida. As interpretações dos atores é bem feita e, particularmente, gostei muito da mãe adotiva de Benjamim, Queenie (Taraji P. Henson), que acolheu o pequeno velhinho bebê e cuidou dele com tanto carinho...
No entanto, teve uma coisa que eu não gostei...o final; claro que qualquer um que pense um pouquinho já saca o final antes mesmo de assistir o filme, mas eu imaginava um desenrolar diferente e foi alguns detalhes que deixaram a desejar.

17 setembro 2009

Filme: Slumdog Millionaire

Danny Boyle fez um filme honesto. Se houvesse prometido alguma coisa antes de fazer o filme, certamente teria cumprido tudo que pensou. Com excelente fotografia, elenco infantil e adulto muito bem escolhido, ótima trilha sonora, montagem mais que eficiente e um roteiro simples e direto, Boyle costura tudo isso com mão firme e prende o espectador do primeiro ao último minuto, emocionando e divertindo. Muito mais do que Índia, favela, a busca pela sobrevivência, por um prêmio milionário ou a fama em um programa de TV, o filme fala de integridade e honestidade, e nos lembra que não é a pobreza ou a simplicidade que nos torna seres humanos de pouco caráter ou sem dignidade, como muitos querem que acreditemos — em geral e inclusive muita gente “importante”, que no fundo não sabe mais o que significam esses valores. Mais ainda: nos relembra que o amor, hoje algo tão banalizado e colocado em segundo plano, tem que ter sempre uma posição prioritária em nossas vidas — toda forma de amor.

Filme: Vicky Cristina Barcelona

O delicioso senso de humor de Woody Allen e suas neuroses a respeito de relacionamentos sempre rendem bons roteiros. E mais uma vez ele usa sua receita de sucesso em sua nova comédia romântica - que no fundo é pouco romântica e mais realista. É fácil enxergar nos divertidos diálogos os traços da acidez do cineasta e se deliciar com sua sempre presente crítica irônicaàs convenções ligadas aos relacionamentos humanos.
“Vicky Cristina Barcelona” chega bem perto de “Match Point” não só pela qualidade mas pelo frescor com que o roteiro é filmado: Allen levou para os belos cenários de Barcelona – ainda que a Barcelona de cartão postal – uma história desta vez bem mais para o romântico, com uma sensualidade muito bem retratada pelo excelente elenco, e pitadas de humor mas também de dor, em meio a inevitáveis questionamentos morais – tanto dos personagens quanto do público.
Woody nos proporciona uma história leve e divertida que não tem pretensão de ser profunda, complexa ou algo do tipo, simplesmente lidando com as dificuldades, delícias e improbabilidades dos relacionamentos. Vicky Cristina Barcelona é um filme para quem gosta do estilo sarcástico do diretor e que corresponde certamente aos fãs que têm a oportunidade de se identificar e rir com as situações criadas pelo comediante - que há quase 40 anos contribui com sua genialidade para o mundo da sétima arte.
Detalhe para a trilha sonora: Adorável!

08 setembro 2009

Ouça: Trois Gymnopedies - Erik Satie

http://www.youtube.com/watch?v=ljiKS0ry7tA&mode=related&search=

Filme: Ensaio sobre a cegueira


O surto de cegueira que afeta uma cidade fictícia com pessoas que não são caracterizadas por seus nomes, traz em pauta a questão dos valores que os temos conosco e com o próximo, digo isso, pois me pergunto até que ponto você se aproveitaria de pessoas que estão em um estado físico de desvantagem frente à sua e como pessoas que estão no mesmo estado que você tenta se aproveitar da massa, através de corrupção e favores sexuais.
O diretor rodou o filme em países diferentes para criar a cidade que José Saramago descreveu no livro Ensaio sobre a Cegueira, Brasil com a sua mega capital São Paulo estava lá ajudando a montar o cenário, junto com o Japão que trouxe varias ruas de Tóquio para incrementar o ambiente do filme. Você fica se perguntando: Como é que conseguiram fazer isso na Rua Augusta, Marginal Pinheiros, Catedral da Sé?
Julianne Moore como atriz principal está sensacional como esposa do médico (Mark Ruffalo), a única que não se contagia com a cegueira, vai para quarentena fingindo estar cega. Ela vê o caos que o lugar fica depois de estar super-populado, os problemas de limpeza, escassez de comida, etc.
O surto de cegueira que afeta uma cidade fictícia com pessoas que não são caracterizadas por seus nomes, traz em pauta a questão dos valores que os temos conosco e com o próximo, digo isso, pois me pergunto até que ponto você se aproveitaria de pessoas que estão em um estado físico de desvantagem frente à sua e como pessoas que estão no mesmo estado que você tenta se aproveitar da massa, através de corrupção e favores sexuais.
Meirelles fez um excelente trabalho, um filme que mexe com os sentidos daqueles que enxergam.
Não se deixem enganar por qualquer desprestígio quanto ao trabalho do elenco. Julianne está mais uma vez maravilhosa, uma das grandes atrizes do nosso tempo. Alice Braga é a grande surpresa, com uma atuação forte e madura. E Gael está mais uma vez excelente no papel de vilão.
Assistam ao filme sem medo, principalmente se já leram o livro. Se não leram, tentem não se incomodar com detalhes que foram muito criticados mas são fiéis e justificáveis, como a ausência de nomes dos personagens, a localização incerta das cenas, entre outras minúcias que são importantes para o livro e para o filme, não podendo ser de outra forma.

03 setembro 2009

Filme: Olhar estrangeiro

“Olhar estrangeiro é um filme sobre os clichês e as fantasias que se avolumam mundo afora sobre o Brasil. Baseado no livro O Brasil dos gringos, de Tunico Amancio, o documentário mostra a visão que o cinema mundial tem do país. Filmado na França (Lyon e Paris), Suécia (Estocolmo) e Estados Unidos (Nova York e Los Angeles), o filme desvenda os mecanismos que produzem esses clichês através de entrevistas com os diretores, roteiristas e atores”.
O ritmo do filme é ótimo, com a exibição de cenas das películas que de alguma forma retrataram o Brasil sob o ponto de vista estrangeiro, sob a ótica do clichê. Estas cenas são clarificadas, como diz a sinopse, por entrevistas com diretores, roteiristas produtores e atores e pontuadas com depoimentos de gringos anônimos sobre como vêem o Brasil.
O filme chega a um ápice com o depoimento de um gringo, provavelmente de um “afro-norte-americano”, que mostrou possuir algum conhecimento sobre nossa Pátria Amada. O que eu sei do Brasil? Sei que não entendo os brasileiros: acontece de tudo no país de vocês e vocês não fazem nada, ficam com cara de bunda, sem tomar atitude. Quero ver o dia em que vocês vão mudar as coisas lá...Interessante, não?

Filme: Piaf - Um Hino ao Amor

Prepare seus lenços. É praticamente impossível não derramar pelo menos algumas lágrimas durante os 140 minutos de projeção de Piaf - Um Hino ao Amor, a festejada cinebiografia da cantora francesa Edith Piaf. O filme é rasgadamente emotivo e emocional, atingindo em cheio o grande público, da mesma forma emotiva e emocional que a própria cantora tinha de conquistar as suas platéias. E importante: sem cair no piegas. Ambicioso, ousa retratar a vida da estrela por inteiro. A partir de seus primeiros e extremamente pobres anos de vida, passando por suas perambulações por cabarés e prostíbulos, a descoberta do talento natural, a lapidação deste talento, o sucesso, a ida aos Estados Unidos (numa Nova York totalmente feita em estúdio), os amores, sua trajetória marcada por perdas e desacertos, justifica cada copo que tomava e que lhe roubaria o fígado e a mataria de falência hepática, agravada por anos de dependência química aos 47 anos, isso em 1963.
Marion Cotillard se agiganta como Piaf, estoura na tela grande e nos brinda com uma interpretação impagável e incontestável de uma artista que nunca se enquadrou, viveu solta num sistema que a acolheu, graças ao dom de cantar, concedido pelos deuses.
O filme no conecta com a utópica e necessária visão do artista que foi consumida pela arte e fez dela seu alimento. Para ter em casa e rever, assim não esqueceremos os predicados que compõe o “forro” de uma grande artista. Edith Piaf – Um Hino ao Amor é inesquecível.

Pablo Neruda: Llénate de mi

Llénate de mí. Ansíame, agótame, viérteme, sacrifícame. Pídeme. Recógeme, contiéneme, ocúltame. Quiero ser de alguien, quiero ser tuyo, es tu hora. Soy el que pasó saltando sobre las cosas, el fugante, el doliente. Pero siento tu hora, la hora de que mi vida gote e sobre tu alma, la hora de las ternuras que no derramé nunca, la hora de los silencios que no tienen palabras, tu hora, aIba de sangre que me nutrió de angustias, tu hora, medianoche que me fue solitaria. Libértame de mí. Quiero salir de mi alma. Yo soy esto que gime, esto que arde, esto que sufre. Yo soy esto que ataca, esto que aúlla, esto que canta. No, no quiero ser esto. Ayúdame a romper estas puertas inmensas. Con tus hombros de seda desentierra estas anclas. Así crucificaron mi dolor una tarde. Libértame de mí. Quiero salir de mi alma. Quiero no tener límites y alzarme hacia aquel astro. Mi corazón no debe callar hoy o mañana. Debe participar de lo que toca, debe ser de metales, de raíces, de alas. No puedo ser la piedra que se alza y que no vuelve, no puedo ser la sombra que se deshace y pasa. No, no puede ser, no puede ser, no puede ser. Entonces gritaría, lloraría, gemiría. No puede ser, no puede ser. Quién iba a romper esta vibración de mis alas? Quién iba a exterminarme? Qué designio, qué palabra? No puede ser, no puede ser, no puede ser. Libértame de mí. Quiero salir de mi alma. Porque tú eres mi ruta. Te forjé en lucha viva. De mi pelea oscura contra mí mismo, fuiste. Tienes de mí ese sello de avidez no saciada. Desde que yo los miro tus ojos son más tristes. Vamos juntos, rompamos este camino juntos. Será la ruta tuya. Pasa. Déjame irme.
Ansíame, agótame, viérteme, sacrifícame. Haz tambalear los cercos de mis últimos límites.Y que yo pueda, al fin, correr en fuga loca, inundando las tierras como un río terrible, desatando estos nudos, ah Dios mío, estos nudos destrozando, quemando, arrasando como una lava loca lo que existe, correr fuera de mí mismo, perdidamente, libre de mí, furiosamente libre. Irme, Dios mío, irme!

01 setembro 2009

Livro: Enfim, juntos! (Anna Gavalda)

Enfim, Juntos, conta a história do encontro de quatro destinos: Camille, que em vez de viver a sua paixão pelo desenho trabalha como empregada doméstica; Philibert, aristocrata que alberga Franck, um cozinheiro cuja existência anda à volta das raparigas, da moto e de Paulette e da sua avó, uma velha senhora, frágil e meiga que vive só. A acção desenrola-se em Paris ao pé da Torre Eiffel, durante um ano. O livro conta o encontro, as fricções, a ternura, a amizade, as zangas e as reconciliações destas quatro pessoas. Gente que, à partida, não tinha nada em comum e que poderia nunca se ter encontrado, pessoas que se apoiam mutuamente e que em vez de cair se levantam. A isto chama-se amor. O filme verei em breve!

Virgínia Wolf - O tempo e o espírito

O tempo, embora faça desabrochar e definhar animais e plantas com assombrosa pontualidade, não tem sobre a alma do homem efeitos tão simples. A alma do homem, aliás, age de forma igualmente estranha sobre o corpo do tempo. Uma hora, alojada no bizarro elemento do espírito humano, pode valer cinquenta ou cem vezes mais que a sua duração medida pelo relógio; em contrapartida, uma hora pode ser fielmente representada no mostrador do espírito por um segundo.

Filme: O Caminho para Guantánamo

No documentário Caminho para Guantánamo (The Road to Guantanamo) de Michael Winterbottom, Inglaterra, 2006. O diretor trabalha com depoimentos de três jovens britânicos que ficaram anos presos, acusados de terrorismo pelos EUA, quando esses em represália ao 11 de setembro atacaram o Afeganistão. A ida dos jovens para o Paquistão foi motivada pelo casamento de um deles mas ao chegarem são estimulados por um líder religioso, a irem até o Afeganistão para prestar ajuda humanitária, quando são presos.
No filme vemos os próprios americanos agindo como animais, maltratando, mentindo e humilhando prisioneiros afegãos e paquistaneses nos campos de concentração na região de Cuba que dá nome ao filme.
Três desses prisioneiros e amigos entre si, londrinos, porém muçulmanos, contam sua história sobre a viagem que acaba muito mal quando são confundidos com membros da Al-Quaeda.
Os personagens reais narram, enquanto a reconstituição extremamente realista é feita por atores. As situações são desesperadoras. Isso sim é uma viagem ao inferno.. É um filme imperdível. Após assistirmos passamos a nos questionar como é possível o imenso silêncio que se faz desse tema no nosso país.

Botticelli, Sandro - Anadyomene Venus


Filme: The King (Com Gael Garcia Bernal)

Quem procura um longa de ação, não irá gostar deste longa, mas quem procura algo diferente e bem trabalhado em todos os quesitos, está dada a sugestão "The King" de James Marsh.
Gael, com um inglês perfeito e sem sotaque algum, interpreta o bom moço Elvis que, após ser dispensado da Marinha norte-americana, volta à casa na busca do pai que nunca conheceu.
Para tanto ele viaja até a pequena cidade de Corpus Christi, no interior do Texas, onde encontra o pastor evangélico David Sandow (William Hurt), que é extremamente conservador. Elvis quer que David o reconheça como seu filho, o que é recusado pelo pastor, que alega ter agora uma nova família. Na cidade ele conhece Malerie (Pell James), uma jovem de 17 anos, que é sua meia-irmã, por quem se apaixona.
Daí em diante o filme faria até o cineasta britânico Alfred Joseph Hitchcock levantar-se do sepulcro e aplaudir de pé. The King se tornou um título forte e boníssimo em diálogos e planos seqüênciais "quase" longos e, lembrei-me novamente de Hitchcock nos planos gerais usados neste longa, usufruindo de uma insigne trilha sonora.

Filme: Ônibus 174

Onibus 174, é uma expécie de documentário sobre os acontecimentos em torno do sequestro de um ônibus no Rio de Janeiro, ocorrido em 12 de junho de 2000. O incidente, foi filmado e transmitido ao vivo por quatro horas, paralisando o país.
A história do seqüestro é contada paralelamente à história de vida do seqüestrador, intercalando imagens da ocorrência policial feitas pela televisão. É revelado como um típico menino de rua carioca transforma-se em bandido e as duas narrativas dialogam, formando um discurso que transcende a ambas e mostrando ao espectador porque o Brasil é um país é tão violento.
Baseado numa extensa pesquisa sobre a cobertura do crime, com entrevistas e documentos oficiais, o filme é uma investigação cuidadosa do seqüestro - focalizando Sandro do Nascimento, sua infância, e como ele inevitavelmente estava destinado a se tornar um bandido.

Filme: Questão de vida

Questão de Vida, podia muito bem ser um filme de Pedro Almodóvar, já que a temática trabalhada é essencialmente feminina. Dirigida por Rodrigo García (que dirigiu alguns episódios do seriado Six Feet Under), essa desconhecida produção é um conjunto de curtas (nove ao todo) com apenas uma característica em comum: o universo feminino. São 9 histórias intimistas sobre os sentimentos das mulheres. Elas são representadas de forma bem especiais por um notável elenco de estrelas. O destaque é de Robin Wright Penn, excepcional no melhor curta do filme. Com certeza é um filme de arte para um público limitado. De qualquer forma, o maravilhoso elenco valida a espiada – mesmo que eles não estejam magníficos como os seus pesados nomes sugerem – e Questão de Vida acaba por ser, no mínimo, uma experiência interessante.

Filme: O caminho para casa

Yimou talvez seja, visualmente, o mais complexo e competente artesão do cinema. Seus filmes, sem exceção, são um deleite para os olhos. Tem que ser muito bom para fazer um dos mais tocantes e emocionantes romances da última década sem que haja, em nenhum momento do filme, um único beijo. Não é para poucos. E mesmo sem o beijo, sem o toque, sem os finalmentes que muitos cineastas acabam adiando ao máximo para provocar uma catarse, “O Caminho Para Casa” transborda romantismo em seus poros. É uma visão idealizada, ingênua até, um amor pueril. Emocionante nas mãos de um mestre da narrativa visual como Zhang Yimou.
O romance que conduz essa estória atemporal – e sem nacionalidade ou língua – não se concretiza no contato entre os corpos: ela emociona pela devoção através dos dias, das tempestades, da solidão, da espera constante. Se resume no desespero em encontrar um objeto perdido pelo caminho, em reconstruir uma singela vasilha de comida com um significado especial. O presente é apresentado em preto e branco, e a estória que ele busca no passado é convertida em cores esfuziantes – traduz a riqueza de sentidos a nostalgia preservada, a alegria em contrapartida à tristeza do tempo presente.Zhang Yimou fala uma língua universal que tem um apelo maior para quem já viveu ou sonha viver um grande amor. “O Caminho para Casa” é a sua declaração de amor, belíssima, a essa simples possibilidade.

Arthur Schopenhauer - Indulgência com os Outros

Para sobreviver por este mundo afora, é conveniente levar consigo uma grande provisão de precaução e indulgência. Pela primeira seremos protegidos de danos e perdas, pela segunda, de disputas e querelas. Quem tem de viver entre os homens não deve condenar, de maneira incondicionada, individualidade alguma, nem mesmo a pior, a mais mesquinha ou a mais ridícula, pois ela foi definitivamente estabelecida e ofertada pela natureza. Deve-se, antes, tomá-la como algo imutável que, em virtude de um princípio eterno e metafísico, tem de ser como é. Quanto aos casos mais lamentáveis, deve-se pensar: «É preciso que haja também tais tipos no mundo.» Do contrário, comete-se uma injustiça e desafia-se o outro a uma guerra de vida ou morte, já que ninguém pode mudar a sua própria individualidade, isto é, o seu carácter moral, as suas faculdades de conhecimento, o seu temperamento, a sua fisionomia, etc. Ora, se condenarmos o outro em toda a sua essência, então nada lhe restará a não ser combater em nós um inimigo mortal, pois só lhe reconhecemos o direito de existir sob a condição de tornar-se uma pessoa diferente da que invariavelmente é. Portanto, para vivermos entre os homens, temos de deixar cada um existir como é, aceitando-o na sua individualidade ofertada pela natureza, não importando qual seja. Precisamos apenas de estar atentos para a utilizar de acordo com o permitido pelo seu género e pela sua condição, sem esperar que mude e sem condená-la pura e simplesmente pelo que ela é. Eis o verdadeiro sentido do provérbio: "Viver e deixar viver". A tarefa, contudo, não é tão fácil quanto justa; feliz é quem pode evitar para sempre certas individualidades. Para aprender a suportar os homens, deve-se praticar a própria paciência em relação a objectos inanimados, os quais, em virtude de uma necessidade mecânica ou de qualquer outra necessidade física, resistem tenazmente à nossa acção. Para tal exercício, há oportunidade diária.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

Livro: Contos Fantásticos (Guy de Maupassant)

Guy de Maupassant (1850-1893) não foi simplesmente um dos mais brilhantes escritores do seu século, mas o mais completo contista de todos os tempos. Alguns de seus temas presentes nos contos reunidos neste volume são clássicos na literatura fantástica: a reencarnação, a aparição fantasmática, o acontecimento extraordinário. Não se trata de criaturas impossíveis (duendes, gênios ou demônios) em cenários exóticos, mas acontecimentos estranhos que se equilibram nesta tensão que se origina de um espírito incerto: o homem aparece como um ser estranho a si mesmo e o outro como um abismo. Maupassant publicou 27 livros em dez anos, dos quais muitos críticos consideram O Horla sua obra-prima. Famoso em seu tempo, viveu prosperamente numa vida quase luxuosa. Não desprezou o uso do álcool e de paraísos artificiais que lhe estimularam e excitaram seu cérebro, permitindo-lhe escrever em ritmo crescente. Em seus últimos anos de vida foi vítima constante de alucinações, tendo inclusive tentado suicídio. Morreu no manicômio de Passy, na França.

31 agosto 2009

Filme: Casa de areia e névoa

Casa de Areia e Névoa” enfoca a batalha de duas pessoas comuns por uma casa. O título do filme é uma beleza de múltiplos sentidos. A casa é de areia e névoa, na metáfora mais óbvia, porque fica na praia de San Francisco, onde a neblina cobre tudo nos dias frios. Mas existe um sentido mais profundo. Areia e névoa são elementos intangíveis, que não se pode possuir, pois escapam entre os dedos. A casa é a chave da narrativa. Ela não passa de um bangalô modesto, mas representa mais do que simples moradia para os dois personagens. Para Kathy, a casa é a única ligação entre ela e a família, que ela tanto ama e que se mantém tão distante. Suas memórias moram lá. Um pedaço de sua alma se vai, quando é obrigada a deixar o lugar.
Para Behrani, é claro, a cabana não evoca nenhum laço afetivo, mas também é um símbolo poderoso. O coronel reformado a elege como o primeiro passo para deixar os subempregos e proporcionar à mulher e ao filho adolescente um padrão de vida mais digno. A vista para o mar, mesmo que longínqua, também lhe traz à memória um passado feliz – a casa de verão da família, que dava para o mar Cáspio. Por isso, Behrani não hesita em gastar alguns milhares de dólares construindo um terraço com vista para o oceano, mesmo sabendo que não vai permanecer o suficiente no lugar para desfrutar dela. os personagens precisam, a todo instante, tomar decisões moralmente difíceis. Aqui, não há vilões ou mocinhos, mas apenas pessoas de carne e osso, com dilemas morais, pessoais e profissionais. O roteiro de Perelman e Shawn Otto é excepcional. O texto conduz a ação sem jamais apelar para o piegas ou recorrer a clichês; os diálogos são ambíguos, serenos e profundos. O cineasta também teve o bom senso de fazer um filme sem malabarismos técnicos, de modo a deixar a platéia 100% envolvida com o drama humano que se desenrola na tela.

Filme: Pelo amor de Deus! (Com Audrey Tatou)

Esta comédia foi protagonizada por Audrey Tautou em 2001, antes dela se tornar famosa mundialmente em O Fabuloso Destino de Amelie Poulain , lançado no mesmo ano, mas com muito maior impacto. O filme narra a divertida história de Michèle, uma garota de 20 anos que está arrasada por ter terminado com seu namorado. É quando ela conhece Francois, um vegetariano e judeu. Apaixonada, Michèle decide converter-se ao judaísmo porque ela tem de acreditar em algo ou pelo menos em alguém. Entre idas e voltas Michele descobre que nem sempre a fé remove montanhas e mantém namoros. Seja com quem for.

Filme: Uma jornada de esperança (Beat the drum)

Uma jornada de esperança sofre, como Tsotsi, de primarismo: personagens só estão ali como representantes rasos de um estrato social (a criança inocente, o negro potencialmente aidético, o branco amigo, o branco insensível), a mensagem é maior do que o filme em si. Edificante, com certeza, mas é o tipo de filme feito para encerrar um seminário de prevenção à AIDS. Prostituição é igual em qualquer beira de estrada do mundo - mas na África do Sul existe o agravante da AIDS. Na vila de Musa, onde qualquer anormalidade é tido como desígnio divino, a doença está presente mas ninguém vê. O fato de haver pessoas que desconhecem a realidade da África do Sul, mesmo dentro do próprio país, é o que justifica a existência de Uma jornada de esperança.

Filme: O preço da vida (Quando Se Nasce, Já Não Pode Mais Se Esconder)

Dirigido pelo italiano Marco Tulio Giordana, "Quando Se Nasce, Já Não Pode Mais Se Esconder" é um drama sóbrio que conta a história de Sandro, um menino rico de 12 anos que acompanha o pai e um amigo num cruzeiro de barco pelo Mediterrâneo. No meio da noite, quando os dois adultos estão distraídos, o garoto cai ao mar e quase se afoga. É resgatado posteriormente por uma embarcação, tornando-se mais um integrante da população de um verdadeiro navio negreiro dos tempos modernos, repleto de imigrantes ilegais de todas as procedências. Gente em busca de uma nova oportunidade que é explorada por europeus e submetida a condições subumanas. Quando finalmente o menino retorna à sua família, procura fazer com que os pais adotem o rapaz que o ajudou e sua irmã. A partir daí, coloca-se o conflito entre os imigrantes e os seus anfitriões, divididos por necessidades muito diferentes. Detalhe importantíssimo no filme abordando a prostituição infantil.

Filme: Batismo de Sangue

São Paulo, fim dos anos 60. O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos, passando por terríveis torturas.
Batismo de Sangue se tornou um filme obrigatório para aqueles que pretendem conhecer um pouco sobre este sombrio período de nossa história recente. Se vivemos hoje numa democracia, muito devemos a esses jovens idealistas que não tiveram medo de enfrentar seus opressores e lutar pela liberdade. Existem falhas no atual processo democrático, é evidente, mas que todos, principalmente as gerações mais jovens, tenham sempre em mente que a pior das democracias é preferível à melhor das ditaduras.

Filme: Edukators

Não são apenas os personagens Daniel Bruhl e Julia Jentsch de The Edukators (Die Fetten Jahre sind vorbei, Alemanha, 2004) e suas idéias que são jovens. Tudo no filme cheira a juventude. Das imagens em digital, feitas quase inteiramente com uma inquieta câmera na mão, à trilha sonora (a versão de Jeff Buckley para Hallelujah, de Leonard Cohen, "gruda" na cabeça do espectador). As discussões que surgem entre os seqüestradores idealistas e o refém milionário jogam de maneira bastante interessante com o conflito de gerações. O filme é o segundo longa de Hans Weingartner e foi selecionado para competição no Festival de Cannes.
Com um roteiro nada previsível, atuações incomparáveis, trilha sonora rica e com um final espetacular e infalível, Hans Weingartner mostra a força do cinema alemão contemporâneo.
The Edukators, cada um tira sua mensagem, que será provavelmente aquela que lhe for mais cômoda. Para isso, o filme deixa margem a duas interpretações. A primeira, é a de que o tempo passa, os ideais morrem, e as boas idéias e convicções se vão junto com a juventude. A segunda nos lembra, no entanto, que os únicos que podem mudar o mundo são aqueles que realmente acreditam que isto seja possível e tentam fazer alguma coisa a respeito. Qual será a sua forma de interpretar?

Filme: O amor pode dar certo (Griffin & Phoenix)

Griffin (Dermot Mulroney, de O Casamento do Meu Melhor Amigo ) descobre que tem um câncer em estágio terminal. Após um breve instante de perplexidade, ele decide não contar a notícia para ninguém e viver seus últimos momentos com alegria e dignidade, na medida do possível. Griffin conhece a bela Sarah Phoenix (Amanda Peet, de Syriana – A Indústria do Petróleo ), se apaixona por ela e passa a viver um dilema – literalmente – de vida ou morte: ele teria o direito de entrar na vida de uma pessoa, mesmo sabendo que a morte está próxima? Por outro lado, Sarah também tem algo a esconder, o que não deve ser dito aqui para não estragar a história.

30 agosto 2009

Filme: Todo sobre mi madre (Pedro Almodóvar)

Almodóvar elaborou uma homenagem pra lá de especial à tão aprazível relação mãe e filho. Criou uma teia de afeto e agonia mútua, como se o vínculo binário pudesse se estender, como se os laços de sangue não fossem mais obrigatórios. Ao longo de um roteiro tragicômico, distribuiu toda a sorte de mães, de mulheres, de seres humanos. Manuela (Cecilia Roth) é a soma de todas. É ela que, em determinada hora, toma conta das demais personagens como se fossem suas próprias crias, mesmo não sendo. Espantoso imaginar como Pedro Almodóvar, sendo um homem, conseguiu (e consegue) observar tão profundamente a sensibilidade do universo feminino. O travesti Agrado (e até mesmo Lola) servem para demonstrar que, para o autor, a feminilidade está na atitute, transcendendo a questão física.
Agrado (o transformista Antonia San Juan), carrega todos os elementos cômicos do filme praticamente sozinho!

Fiodor Dostoievski - A desgraça do sonhador

E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros? É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes... um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste, às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis sentimentos... não é uma vida assim uma tragédia? Não é isto um pecado, um horror? Não é uma caricatura? E não somos todos mais ou menos sonhadores?
Fiodor Dostoievski, in "Escritos Ocasionais"

29 agosto 2009

Filme: Amor à flor da pele (Wong Kar-Wai)

Amor à Flor da Pele é estupendo. Muitos críticos têm considerado o melhor trabalho de Wong Kar-wai.. Um dos mais proeminentes diretores de Hong Kong, conseguiu criar uma obra delicada e arrebatadora, em que mais uma vez faz, de maneira exemplar, o universal emergir do particular. A obra de Wong Kar-Wai versa sobre uma história de romance não-convencional. E é contada com um enorme cuidado estilístico; a música, a câmera lenta, as mãos ora afastadas ora em intenso afago, a fumaça. Tamanha qualidade estética poderia ser questionada se não caminhasse junto de uma bela história, se não fosse utilizada como aliada na narrativa. Mas não é o caso. Todas essas variáveis se juntam para realizar um produto final de alto nível. A beleza do filme está na maneira como Wong consegue manipular as imagens e os sons, criando uma obra única.

Filme: Antes do anoitecer (Before Sunset)

Nove anos se passaram desde Antes do Amanhecer. Jesse escreveu um livro sobre essa romântica noite há muito distante, ficionalizando as suas memórias num best-seller. Na livraria Shakespeare & Co., última passagem para promover o livro em Paris, Jesse reencontra Celine. Ele vai regressar a Nova Iorque nessa noite e decidem aproveitar ao máximo as poucas horas que podem estar juntos.Numa jornada estimulante e reveladora pelas ruas de Paris, em que falam sobre a globalização e os relações entre pessoas, as memórias e os arrependimentos, Jesse e Celine exploram as profundezas dos seus sentimentos e redescobrem esse raro amor pelo inesperado, o expontâneo e um pelo outro. Eles precisam de saber: o que aconteceu no seu primeiro encontro foi real ou, com a passagem do tempo, apenas idealizado? O que essa noite significou para cada um deles? Que marca deixou o encontro falhado de 16 de Dezembro? O que se passou ao longo dos últimos nove anos? Têm pouco mais de uma hora para o descobrir. Para recuperar o tempo perdido. Para revelarem-se. Para perceber o que podia ter sido. E ver o que acontece.

Filme: Antes do amanhecer (Before Sunrise)

"Antes do amanhecer" é um filme que encanta por ser um romance diferente, apostando não em clichês mas sim numa série de discussões sobre os mais diversos assuntos, que flui muito bem na história. É daqueles filmes que de início você não espera muito, mas que aos poucos e lentamente acaba te conquistando. Vários dos debates levantados no filme são realmente intrigante e te fazem pensar sobre o assunto, mesmo após o término do filme. Além disto Ethan Hawke e Julie Delpy estão muito bem. Um ótimo filme, que diverte e ainda faz pensar e fez pensar... quais as oporunidades que eu ja possa ter perdido... quais eu posso vir a perder, qual eu vou aproveitar...."
Foi um filme apreciado pela crítica, mas pouco visto na sua estreia. Porém, a promessa da juventude, em que duas pessoas estranhas podem deixar um trem, conhecer uma cidade e esperimentar o inesperado numa noite a falar de tudo até perceberem que, afinal, descobriam a sua alma gêmea, tem vindo a ser descoberta pelos espectadores desde então. Um filme descrito pelo seu realizador como "um romance para realistas" deixou, afinal, muitos dos que o viram a fazer uma pergunta: será que eles se reencontraram seis meses mais tarde?

Filme: Jogo de sedução (Dot the I) Com Gael Garcia Bernal


O filme é repleto de boas atuações, Gael García Bernal, cada vez mais consolidado como bom ator, destaque especial para James D’Arcy que deu um show de interpretação, tanto que me deixava com raiva do personagem. A atriz Natalia Verbeke,além de linda também não fez feio. Jogo de Sedução possui uma boa trama, um bom roteiro, e algumas vezes chega a ser tenso, outras da um embrulho no estômago, ora tira boas risadas. O que parece ser um drama romântico acaba se tornando um suspense. E depois um drama. E um suspense novamente. Confuso? Você ainda não viu nada. É perceptível o esforço do diretor estreante Matthew Parkhill em fazer um filme inventivo e surpreendente.

Filme: Um longo dia de noivado ( Com Audrey Tatou)

Jean-Pierre Jeunet volta a trabalhar com Audrey Tautou depois de "O Fabuloso Destino de Amélie". Tal como em Amélie, este filme parece passado numa outra dimensão. É difícil explicar o porquê, mas o mundo dos filmes de Jeunet parece sempre mais vivo, mais vibrante que o mundo real, as suas personagens transbordam energia, e mesmo sendo muitas vezes caricaturadas, são sempre incrivelmente densas e complexas.
Num cenário contrastante, a 1ª Grande Guerra, Jeunet apresenta-nos a fragilidade e a ternura de uma jovem debilitada fisicamente, em contraste contínuo com as agruras e a agressividade de um conflito em ebulição. Fotograficamente o filme é soberbo, as imagens são impregnadas de uma colorida poesia visual, que paradoxalmente embelezam a atmosfera de uma guerra, que se sabe, devastadora.

Filme: Quero ser John Malkovich

Por mais que se tente resumir a trama de Quero Ser John Malkovich em alguns parágrafos, a tarefa revela-se impossível. O roteiro é tão repleto de revelações e reviravoltas que, em certo momento, as surpresas transformam-se em meros preâmbulos para as seguintes. Em certo momento, para se ter uma idéia, o próprio Malkovich atravessa o portal que conduz para o interior de sua mente - e o que ele vê é uma das melhores seqüências do filme. É realmente impressionante que um roteiro complexo e arrojado como o de Quero Ser John Malkovich tenha encontrado meios de chegar às telas, já que várias coisas poderiam ter dado errado no processo principalmente o excesso de inteligência (sempre um perigo em Hollywood).
O filme mais maluco que eu já vi, resultado de um roteiro totalmente insano e imprevisível, situações absurdas (e hilárias) e atuações igualmente absurdas (e igualmente hilárias). É uma pérola do cinema, um primor de roteiro e originalidade.
Quando você acha que o estoque de loucuras acabou, Spike Jonze descarrega mais um monte, deixando o espectador zonzo de tantas reviravoltas contidas no roteiro. Com certeza, a parte mais hilária do filme é quando John Malkovich entra em sua própria mente, e vê um mundo habitado somente por John Malkovich.
Além de todas essas situações incríveis, o filme ainda dá início à uma inteligente dicussão: e se você pudesse ser outra pessoa?

Filme: El Bufalo de la noche (Guillermo Arriága)

Parte da nova geração mexicana está aqui em ação. Arriaga e Aldana, no roteiro e direção; Diego Luna no elenco.
Gregorio é um jovem esquizofrênico de 22 anos, perdidamente apaixonado por Tania (Liz Gallardo) e que tem em Manuel (Diego Luna) um grande amigo. Enquanto Gregorio entra e sai de hospitais psiquiátricos, Tania e Manuel vivem um romance às escondidas. Quando Tania decide romper com Gregorio e ficar com Manuel, a amizade entre eles também é rompida. Tempos depois os médicos dão alta a Gregorio, o que faz com que Manuel tente se reconciliar com ele. Aparentemente o reencontro ocorre sem problemas, mas dois dias depois Gregorio se suicida, dando um tiro na cabeça. Tânia e Manuel recebem a estranha herança deixada por Gregório, uma caixa contendo fotos e cartas. E que dá início à trip na qual culpa e loucura não deixam de se misturar em coquetel explosivo.

Filme: Quando Nietzsche chorou

Nietzsche, é um dos maiores gênios da história da humanidade, Breuer não foge muito disso e quanto a Freud, bom , isso todo mundo já sabe.
Na Viena do século 19, o médico Josef Breuer (Ben Cross) conhece o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (Armand Assante), pois o intelectual está passando por grave crise de enxaqueca e tem tendência suicida. Como não quer ser ajudado porque seus livros não são reconhecidos e, portanto, não tem dinheiro para pagar o tratamento, os dois fazem um trato. Com ajuda de seu estagiário, o psicanalista Sigmund Freud (Jamie Elman), Josef tenta ajudar e ser ajudado por Nietzsche e utiliza a "terapia através da fala". O filme apresenta uma história dramática, que fará o espectador conhecer mais da psicanálise e, quem sabe, se emocionar pelo mesmo motivo que fez Nietzsche chorar.

Filme: Vênus

Girl put your records on de Corine Bailey Rae é o carro chefe da trilha sonora do filme. O diretor Roger Michell dá dignidade ao tema, que poderia descambar para o mau gosto nas mãos de um cineasta menos sutil. E como já é costume nas produções britânicas, o desempenho do elenco é um capítulo à parte, com destaque para Peter O'Toole, que faz a platéia acreditar que ele tenha muito mais que seus atuais 74 anos. Não por acaso, o papel rendeu ao veterano ator Peter O’Toole sua oitava indicação ao Oscar. Ele é a alma do filme, tudo dele parte e tudo para ele converge. Mas a garota indesejada por todos - e só querida por ele, para quem tudo está indo para o fim - também é vivida por uma excelente atriz jovem, Jodie Whitaker. E a presença de Vanessa Redgrave como a ex-mulher de Maurice torna o filme ainda mais pungente, mostrando-a também idosa, mas magnífica. É para guardar nas retinas a imagem de o´Toole e Philips dançando na igreja. E a cena em que a garota autoriza que ele toque ao menos a sua mão. E de cenas sensíveis assim o filme está repleto. Vale a pena conhecer esse belo trabalho do diretor Roger Mitchell. Vênus é um filme comovente por tratar da velhice sem máscaras. O clichê de que juventude é um estado de espírito é desmentido pelo realismo do filme, que, a despeito disso, não é cruel. Ao contrário - é um filme carinhoso, que jamais deixa de tratar com dignidade e compaixão seus personagens, uma dignidade e uma compaixão que não exclui os aspectos terríveis, as dores, as mazelas dos idosos. Vemos Peter o´Toole como Maurice e Leslie Philips como Ian no auge de seu talento. Podemos estar vendo-os pela última vez, devido à idade em que se encontram, mas nada disso impede que os vejamos como verdadeiros símbolos da melhor arte dramática inglesa.

Filme: Desejos de liberdade (Provoked)

Uma bola de neve de tragédias vai acertar em cheio a vida de Kiranjit Ahluwalia. Ao se casar com Deepak, ela imagina ter encontrado o homem de sua vida. Mas ele, aos poucos, começa a mudar de comportamento, dedicando-se à bebida e a outras mulheres. Não demora para começar a espancar a esposa, que acaba por matá-lo. Acusada de ter premeditado o crime, ela terá de recorrer à ajuda de uma Ong especializada em vítimas de violência doméstica, para provar inocência. Em momento algum o filme absolve Kiranjit de ter matado seu marido, apenas abraça as inúmeras mulheres que sofrem com a violência de homens que juraram amor eterno. Já no final, Kiranjit diz que são as mães quem criam seus filhos, então cabe a elas ensinar o respeito às mulheres. A mãe de Deepak testemunhou os ataques do filho, mas em julgamento, desmentiu as acusações da nora.
Apesar da história forte, Provoked é um filme mediano. Assemelha-se muito aos filmes feitos para a televisão. Alguns diálogos são artificiais, há redundância em certas cenas e sempre foca os grandes olhos verdes de Aishwarya (o que não é tão ruim assim), contudo vale assistir. Seja por ser um relato inspirador, seja para nos lembrar que alguém próximo pode estar sofrendo as mesmas coisas.

Filme: Amores Brutos (Alejandro Gonzáles Iñárritu)

Amores Brutos iniciou uma trilogia de brilho e confirma a hipótese de que raros são os mestres que conseguem repetir a grandiosidade da obra-prima. Alejandro Gonzáles Iñárritu é um cineasta mexicano de 45 anos. Foi descoberto em 2000, com a produção de Amores Brutos (Amores Perros), um filme – com o perdão da simplificação – sobre a perda, os amores, a esperança e os problemas nos relacionamentos. O sucesso surpreendeu: era uma produção latina, com atores latinos e recursos latinos e, ainda assim, ganhou a crítica e o público internacional. A partir daí, Iñárritu virou destaque dos grandes jornais e das semanais norte-americanas e conquistou o bilhete de entrada para Hollywood.
No entroncamento das vidas dos personagens, fica evidente a relação entre pessoas de realidades sociais, culturais e econômicas muito diferentes. Além disso, Iñárritu faz com que as pessoas dependam uma da outra na narrativa. Nesse momento, o diretor consegue fazer com que nos sintamos angustiados assistindo o filme, refletindo sobre quando precisaremos de alguém que não conhecemos.

Filme: 21 gramas (Alejandro Gonzáles Iñárritu)

No ano seguinte de Amores Brutos, o diretor fez 21 Gramas, filme que se passa nos Estados Unidos e segue o mesmo padrão do primeiro: três histórias, que se encontram em determinado momento, e provocam reflexões sobre a perda e sobre os relacionamentos. Desta vez, os atores são todos americanos, incluindo grandes nomes como Sean Penn, Benicio Del Toro e Naomi Watts. A semelhança com o primeiro filme levou Iñárritu a pensar em uma trilogia.

Filme: Babel (Alejandro Gonzáles Iñárritu)


Nele, o diretor vai do México para o mundo. As várias histórias se passam nos Estados Unidos, Marrocos, Japão e México. A produção também foi grandiosa, com um orçamento de 25 milhões de dólares, e atores como Brad Pitt e Cate Blanchett, além da volta de Gael García Bernal, que atuou em Amores Brutos.

Filme: Adeus, minhas concubina (Farewel my concubine)


Na Pequim de 1925, a academia Toda Sorte e Felicidade ensina a arte da interpretação a meninos pobres e sem lar. Um deles, Douzi (Mingwey Ma), é filho de uma prostituta. O garoto Shitou (Yang Fei) o protege e se torna seu amigo. É um lugar com um sistema de aprendizado puxado, dirigido pelo mestre Guan Jinfa (Lu Qi). Por seus traços femininos, Douzi é treinado a fazer papéis de mulher, enquanto Shitou, um tipo mais rude, papéis masculinos. Os anos passam, Douzi e Shitou aprofundam seus estudos e se tornam atores famosos da Ópera de Pequim. Cheng Dieyi (Leslie Cheung) e Duan Xiaolou (Zhang Fengyi), nomes que adotam na vida artística, continuam amigos e interpretam a peça Adeus Minha Concubina . Quando Xiaolou se apaixona pela prostituta Juxiam (Gong Li), a amizade começa a se desfazer e eles param de trabalhar juntos. Não bastasse, o exército japonês invade Pequim, Xiaolou é preso e Juxian pede a ajuda de Dieyi. É o momento para decidir se prevalecerá a amizade de Dieyi e Xiaolou ou o amor de Juxian e Xiaolou.
A fotografia assinada por Changwei Gu é uma verdadeira festa para os olhos, complementada com um belíssimo e bem elaborado figurino e um trabalho de maquiagem perfeito.

Filme: Rescue Dawn - Com Christian Bale

As expectativas são sempre grandes quando se fala num filme de Christian Bale, e ainda maiores quando este tem um ótimo aspecto, e excelentes críticas. Eu sou suspeita prá falar, um de meu atores preferidos, está espetacular nesse papel.
É uma história verídica, sobre Dieter Dengler, um piloto americano que é capturado durante uma missão em Laos, no início da Guerra do Vietnam.

Quando um realizador europeu pega numa história verídica norte-americana, o que podemos esperar? Um intercâmbio de competências. É o que acontece em neste filme bélico "old fashion" brilhantemente escrito e realizado.
Em 1965, o Mundo ainda não sonhava com as proporções que a guerra do Vietname iria assumir dentro de poucos anos. Mas os Estados Unidos já tinham em marcha operações secretas de extermínio de alvos estratégicos, na fronteira com o Laos. O tenente Dieter Dengler só queria voar. Mas na sua primeira missão, a aeronave é alvejada e o militar cai em território inimigo. Aprisionado num campo de concentração feito em bambú, aquele homem obstinado luta pela sua sobrevivência. Até ao fim e nos limites da condição humana.
Imperdível!

Livro: Anna Karenina - Leo Tolstoy

Só um gênio como Tolstói consegue prender alguém a um livrão de 750 páginas escrito há tanto tempo! Sim, ele gasta tempo descrevendo cada detalhe da vida rural de Liêvin e todas as idas e vindas do pensamento de Kitty, mas é delicioso. O legal é que os personagens não são totalmente coerentes, suas resoluções mudam, enfim, como seres humanos normais. Todos são muito verossímeis. Ana vivia relativamente bem com Karênin, mas, quando se apaixona, ele vira um demônio na sua opinião agora tão parcial. Vronski é movido por um amor verdadeiro, mas é cheio de imaturidades, pequenas ambições e irresponsabilidades de um rapaz bonito e boêmio. Liêvin gosta da vida rural, mas não finge um amor que não tem pelo povo do campo, que considera meio bruto e primitivo. Kitty é vaidosa e volúvel, mas seu coração é tão lindo! Adoro eles dois! Como todas as obras de Leon Tolstói, esse livro é extenso e critica a aristocracia com a propriedade de quem faz parte. Anna Karenina conta mais do que a história de uma mulher que se casou por conveniencia. Ele é um retrato da Rússia na epóca de Tolstoi (O livro foi escrito entre 1875 e 1877).
O filme deixa um pouco a desejar mas o livro é uma grande novela psicológica de Tolstoy e retrato da Rússia do século XIX.Depressão, descontrole emocional e muita tristeza, marcam os últimos dias de Anna..comovente...Só se deseja o que ainda não se tem ou o que já se perdeu... Sempre...

Filme: Geração Roubada (Rabbit-Proof fence)

Em 1931, foi criada uma lei na Austrália para a integração dos aborígenes na sociedade branca. Graças a esta famigerada lei, famílias eram separadas e as crianças transportadas para campos de aprendizagem, onde elas eram "civilizadas" e condicionadas a aceitarem seu papel de criadas e subalternas dos brancos.
"Geração Roubada" é a trajetória de três meninas, Molly, Grace e Daisy, que, após terem sido conduzidas a um destes acampamentos, fogem, ambicionando retornar para sua terra natal, distante quase três mil quilômetros de onde elas estavam.
No entanto, esta empreitada não significa apenas um desejo de retorno ao lar, mas sim uma reafirmação de sua própria identidade, um atestado de que elas não precisavam adotar hábitos e cultura alheias porque elas já pertenciam a uma cultura. Somente uma motivação tão visceral e intrínseca justificaria aquela força de vontade que as fazia caminhar, fugir dos perseguidores e passar fome.
Esta produção australiana é tão envolvente, que é impossível deixar de torcer para que as meninas consigam realizar seu intento.
Baseado numa história real (o que torna o filme ainda mais supreendente), "Geração Roubada" é magnifíco; com a participação de Kenneth Branagh, que enriqueceu ainda mais a história, e uma excelente trilha sonora composta por Peter Gabriel.
Não é um filme com muitas peripécias, mas é maravilhoso. Recomendo efusivamente e creio que quem assistir não se arrependerá.

28 agosto 2009

Filme: Mar Adentro (Com Javiér Bardem)

O filme de Alejandro Amenábar é baseado em história verídica, é uma poesia pura e visual, funcionando como um drama imperdível para quem gosta da vida ou para quem precisar reafirmar sua existência. Posso dizer, sem medo de errar, que é uma verdadeira obra de arte. O longa é denso, pesado e consegue sustentar seu ritmo por possuir diálogos afiados e personagens cativantes, o que nos traz a comoção e a preocupação com o destino dos personagens. Mar Adentro levanta questões pesadas sem se preocupar em sentimentalismo barato.
Outros pontos positivos do filme de Amenábar são: a fotografia – existe uma viagem surreal do personagem principal, que me emocionou muito – e a trilha sonora, triste na medida certa. Falar do talento de Javier Bardem, é chover no molhado, por isso prefiro elogiar a atuação de Belen Rueda, como uma advogada doente que quer ajudar o acidentado a resolver seus problemas. Ela está impecável.
A história narra a vida de Ramón (Javier Bardem), um homem que era totalmente saudável, inteligente e viril, até sofrer um acidente e ser obrigado a viver, contra sua vontade, paralisado em uma cama, dependendo da ajuda de seus familiares para todas as suas necessidades básicas. Vinte e seis anos depois, ele consegue uma advogada disposta a ajudá-lo em seu caso. Confrontando questões morais, religiosas e sociais, Ramón tenta legalizar uma petição que lhe dê autorização para cometer eutanásia, sem que nenhuma das pessoas que o ajudarem sejam prejudicadas por suas ações.
Mar Adentro é sensível como os filmes de David Lynch e duro como as produções de Stanely Kubrick. Ou seja, é cinema de verdade. Lola Duenas foi eleito actriz do ano - com toda a justiça - tal como Celso Bugallo e Mabel Rivera venceram os prémios secundários enquanto que o jovem Tamar Novas e Belen Ruedas venceram os prémios revelação.

Filme: Frozen Land (Paha Maa)

“Frozen Land” (“Paha Maa”)baseia-se no conto de Tolstoi “Faux Billet”. Esta referência é feita logo no início do filme, na aula de literatura de Pertti (Pertti Sveholm), um professor que, depois de ser despedido, cai no alcoolismo e, num impulso, expulsa de casa o seu filho Niko (Jasper Pääkkönen). Sob o efeito de drogas e álcool, Niko usa o computador do seu amigo Tuomas (Mikko Leppilampi) para imprimir uma nota de 500 euros. Com ela compra um rádio numa loja de artigos em segunda mão. Aí a nota passa para as mãos de Isto (Mikko Kouki), que é preso quando a tenta usar num restaurante. Isto vinga-se roubando um carro a um negociante de automóveis (Samuli Edelmann), que, por sua vez, confisca, por falta de pagamento, o carro de Teuvo (Sulevi Peltola, magnífico), um alcoólico em recuperação que vende aspiradores porta-a-porta. O destino destas personagens, interligado através de estranhas e trágicas coincidências, irá ainda ligar-se ao de Hannele (Matleena Kuusniemi), uma mulher polícia em plena crise depressiva e do seu marido Antti (Petteri Summanen), professor. “Frozen Land” aborda a teoria do caos, à semelhança de filmes como “Butterfly Effect", em que um simples acontecimento desencadeia uma série de desastres e fatalidades. Numa estrutura de episódios que se misturam, lembrando “21 Grams” de Alejandro González Iñarritu, “Frozen Land” não é exactamente circular, porque não há regresso possível, não há meio de emendar o passado, por muita capacidade de perdão que se possa ter. E porque “Frozen Land” não é um filme sobre o perdão, mas sobre a vingança. A vingança sobre os outros pelo mal que nos sucede. Porque recusamos o arbitrário e porque apenas vemos um lado da história, o ser humano precisa de se libertar do seu mau-estar passando aos outros, e com ele a sua raiva, as suas frustrações, os seus desamores, os seus erros. Com realismo, “Frozen Land” fala de problemas como o desemprego, o alcoolismo, a toxicodependência, a depressão, a violência. Tudo ambientando numa Helsínquia fria.
Um filme negro e triste, para o qual contribui a escuridão do tempo de Inverno, das casas mal iluminadas, dos ambientes lúgubres. Apenas a cena inicial/final se reveste de luminosidade, como se depois de todas as desgraças que acabámos de assistir, aquela fosse a luz da esperança de que a vida tem lago de bom ainda reservado.

Livro: A revolução dos bichos - George Orwell


Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, 'A revolução dos bichos' é uma fábula sobre o poder e sistemas políticos. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos, a tomada do poder a utopia de uma sociedade justa. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos.Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista. Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que causaram constrangimento na época de sua publicação levaram 'A revolução dos bichos' a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, adepto do socialismo e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a utilização de sua fábula como panfleto.Depois das profundas transformações políticas que mudaram a fisionomia do planeta nas últimas décadas, a pequena obra-prima de Orwell pode ser vista sem o viés ideológico reducionista. Mais de sessenta anos depois de escrita, ela mantém o viço e o brilho de uma alegoria perene sobre as fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução política.

Filme: Dançando no escuro - Lars von Trier (Com Björk)


Dançando no Escuro se passa em 1964 e conta a história de Selma, interpretada por Björk, imigrante do Leste Europeu que vai para os Estados Unidos acompanhada de seu filho. Portadora de uma doença hereditária que a deixará cega em pouco tempo, Selma trabalha dia e noite com um só objetivo: poder pagar uma cirurgia para o filho, que sofre do mesmo mal. A paixão por filmes musicais torna-se a única válvula de escape da pobre moça em sua vida tão difícil. A produção intercala o eixo narrativo principal com números musicais, que são devaneios da personagem central. Mesmo em momentos de extrema tensão, Selma se aliena do que está a sua volta e brilha em grandiosos espetáculos imaginários, muito bem realizados pela atriz principal e pelo diretor. As coreografias estão bem feitas e as músicas são primorosas, contando com o toque especial da harmoniosa e pungente voz de Björk.
A cantora está simplesmente perfeita no papel. Encarna a personagem mantendo-se verossímil do começo ao fim, encantando e comovendo o público. Revela-se uma artista completa: além de ter uma voz singular, provou ser uma brilhante atriz, o que lhe rendeu o Globo de Ouro e um prêmio em Cannes. Sem dúvida, merecidos.
A direção de Lars von Trier se priva de tecnologia. O longa-metragem foi filmado
em câmera digital, pelas mãos do próprio diretor. Ainda assim, tem uma bela fotografia, especialmente nas cenas dos espetáculos. Por ser longo e com pouca ação, Dançando no Escuro exige certa paciência do público. É denominado um filme de arte, ou seja, a maioria das pessoas o acha chato. A crítica aos Estados Unidos é clara na película. Selma, que foi para o país em busca de uma solução para seu problema, é explorada e acaba tendo um fim trágico. Poucos não irão se revoltar e se comover com a história, que é triste em um nível não visto em produções hollywoodianas. Trier é impiedoso com a personagem central, assim como a América é com os que se aventuram lá. Uma história imperdível da realidade dura e cruel contrapondo-se à felicidade romântica das fantasias. Bonita obra, que há de ser apreciada pelos adoradores do bom cinema.

Filme: Osama

VENCEDOR GLOBO DE OURO MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Uma menina de 12 anos e a sua mãe perdem os seus empregos quando os Taliban decidem fechar o hospital onde trabalham. Os Taliban proíbem as mulheres de saírem de casa sem uma "companhia legal". Com a morte do seu marido e do seu irmão e ficando sem ninguém para sustentar a família, além de não poder saír de casa, a mãe fica num beco sem saída. Sentindo que não tem outra opção, ela decide disfarçar a sua filha de menino. Sob o nome de OSAMA, a menina embarca numa terrível e confusa viagem em que é preciso impedir a todo o custo que os Taliban descubram a sua verdadeira identidade. Inspirado numa história verídica,"OSAMA" é o primeiro filme inteiramente Afegão rodado desde a ascenção e queda do regime Taliban.

Filme: Sob o efeito da água (Com Cate Blanchett)

Sob o Efeito da Água não é um filme agradável. Traz Cate Blanchett trabalhando como uma gerente de locadora de DVDs em Cabramatta, subúrbio de Sidney que tem o apelido de Little Saigon pela grande quantidade de vietnamitas que moram nele e por ser a capital da heroína na Austrália. A própria personagem de Cate é uma ex-drogada que acaba de sair de uma clínica de desintoxicação. Cate está fascinante, como sempre, no papel da trintona destruída. Seu irmão envolveu-se em um acidente de carro com o ex-namorado (estavam ambos drogados) e perdeu a perna. A mãe vive em uma marcação cerrada. Na tentativa de ter um negócio próprio, pede empréstimos para os bancos locais, mas os bancos negam-lhe crédito por conta do seu currículo. O diretor não poupa nada nem ninguém. Faz quase um documentário sobre a tragédia pessoal dessa família. Entram em cena o melhor amigo da personagem, Hugo Weaving, antiga estrela do futebol hoje completamente viciado – foi ele quem a introduziu na droga – e Sam Neil, como o chefão local do tráfico – ele é casado, mas mantém casos homossexuais com adolescentes, que lhe custará um divórcio escandaloso. Os dois já foram amantes e trocam um beijo logo no início do filme. A Austrália apresentada no filme está bem longe da imagem de único país desenvolvido dos trópicos: suja, viciada e corrompida. A trama resumida acima ainda terá morte por overdose, suborno, roubo, extorsão e assassinato até que termine, tudo filmado precisamente, sem exageros. Tudo parece crível e, por isso, implacável.

Filme: Para sempre Lilya (Lilja 4-ever)


A bela Lilya, de apenas 16 anos, se vê sozinha no mundo quando é deixada pela mãe, que vai viver com o novo marido nos Estados Unidos. No subúrbio de um país da antiga União Soviética, ela passa a viver num pequeno apartamento sem condições de higiene, energia elétrica e aquecimento. Desesperada com sua condição, a adolescente divide seus dias com seu único amigo, Volodya, um garoto de 11 anos. Não demora para que ela apele para a prostituição para ganhar dinheiro. A vida da garota, porém, tem alguma perspectiva de mudança quando ela conhece Andrei. Apaixonada, ela aceita o convite dele para morar na Suécia, arrumar um emprego e começar tudo de novo. Volodya desconfia da rapidez em que as coisas aconteceram e Lilya pode ter uma desagradável surpresa com a mudança. Para Sempre Lilya recebeu uma série de prêmios em festivais internacionais.